... e chega o 'chumbinho'
Veterinários

... e chega o 'chumbinho'



Pouco depois de me despedir do gatinho enfaixado eu pensava: Alice, que sábado foi esse? Hoje você atendeu foi bicho, fez exame, foi pra casa, já dormiu, já atendeu mais bicho, agora você merece descansar. Chegou minha janta, um delicioso temaki de salmão.

Depois da cirurgia eu passei a comer muita comida japonesa, os "crus" descem super bem.

No meio do meu temaki me chegam três guris, um pai e um cachorro.

Vocês tão abertos?

Estamos né, atendi um animal agora e já estava indo embora, é emergência?

Sim, doutora, ela comeu veneno de rato.

A cadela estava bem para quem havia se intoxicado com carbamato. Me lembrou uma vez que eu ainda trabalhava no antigo consultório e de repente, no meio de uma tarde de sábado um carro bate no meio fio da clínica, que era bem alto: PLAFTTTT

Quando eu vou ver é um cachorro intoxicado com 'chumbinho', o cachorro mal engoliu o veneno e o dono socou o cachorro no carro e quase morre num acidente.. o cachorro saiu balançando o rabo todo feliz,... em 10 minutos já apresentava os sintomas.

Foi assim com a cadela desse dia dois. Ela estava até bem, mas já apresentava fezes mucóides (decorrentes do aumento do peristaltismo causado pelo carbamato).

Enquanto eu preparava os medicamentos e já aplicava o antídoto, ela começava a apresentar os tremores musculares, também decorrentes do envenenamento.

Então só foi festa, fiz uma ficha rápida, mediquei o animal, liberei o dono e fui trabalhar. Eu gosto de trabalhar de noite, sozinha na clínica, parece que eu ligo o som bem alto em uma música clássica e vou fazer minha "arte", com exceção que não havia som, ou música clássica e a arte dessa noite foi uma lavagem gástrica.

Anestesiei a cadela, passei a sonda, tirei tudinhoooo, lavei com solução fisiológica, ficou uma beleza. Tudo deu super certo, quando a gente segue o protocolo as coisas funcionam perfeitamente. Às vezes uma ou outra coisa dá errada, mas é aprendizado para a próxima.

Então enchi a bichinha com carvão ativado. Depois, com toda paciência que minutos antes me faltava e nessa hora me transbordava, eu fiz um enema e em seguida "stuffed" mais ainda com carvão ativado.

Ela foi saindo bem da anestesia, ficou no soro com vitamina B12, C, Ornitina e glicose, tudo na dose correta e ideal para alimentar o fígado da cadela. Ah, nem disse, uma terrier brasileiro, fofíssima como a Bridgit.

Pela manhã ela estava bem, já tinha bebido água e foi novinha para casa.

Mas, nem tudo são flores no atendimento de intoxicação por carbamato.

Tudo vai depender da quantidade de veneno ingerido, do tempo decorrente, do que o proprietário fez em casa, como por exemplo, dar leite. Não se deve dar leite quando um animal está intoxicado por carbamato. Deve-se induzir o vômito, ou com água oxigenada 10 vol (aquela de curativo) via oral, ou água hipersaturada com sal, também via oral. Isso vai induzir o vômito, deve-se ter cuidado para o animal não aspirar o vômito, portanto se ele não estiver devidamente consciente, não se deve tentar nada. Tudo isso deve ser feito para ganhar tempo de se chegar ao veterinário.

Lembrando: NÃO DEVE DAR LEITE AO ANIMAL INTOXICADO COM "CHUMBINHO"

No consultório, colega veterinário, não sede o animal até que ele esteja estável. Eu já atendi um animal intoxicado por carbamato na residência do animal e, ao sedar, ele apresentou edema pulmonar. Isto é, o envenenamento em si pode causar o edema, deve-se fazer o diurético de forma preventiva e corretiva ao edema pulmonar visando a estabilização. Nesse caso eu estava sem diurético e o animal só conseguia respirar com a cabeça levantada. Como eu já havia induzido a sedação eu pedi um ventilador e segurei a cabeça do cachorro em direção ao ventilador até que ele saiu da sedação, quando eu pude continuar com o atendimento.

Outra dica, colega, não administre o carvão ativado em um animal que não está estável. Já presenciei, durante um estágio, o animal acabar aspirando o carvão ativado, entrando em agonia respiratória e óbito em seguida. Nesse caso o animal não estabilizava e foi feito o carvão sem sedá-lo com receio da sedação, isso é errado. O carvão vai ajudá-lo a não absorver o veneno ainda não absorvido, porém não é mais essencial para a sobrevivência do que a própria estabilização.

E, por último, colega veterinário. Nunca, em hipótese alguma, por menor que tenha sido a quantidade de veneno ou por mais sucesso que tenha havido no atendimento, não libere o animal para casa. Passe a noite com ele, acorde de hora em hora, por mais trabalhoso que seja, cobre por isso. A última intoxicação que eu peguei antes dessa tinha acontecido um dia antes do atendimento. O animal foi intoxicado, foi atendido por um colega que, em menos de 2 horas, liberou o animal para casa. Foi daqueles atendimentos rápidos, eficientes e com sucesso. O animal foi para casa sem sintomas. Passou a noite. No outro dia o animal não se levantava, ficava como se fosse uma foca, patinando, e com vocalização. Foi quando eu fui procurada. Não sei se foi por não ter tido soroterapia/antídoto/vitaminas/cuidado suficiente ou por ter sido absorvida outra parte do veneno que não havia sido digerida na ocasião do atendimento, mas o animal teve uma piora durante a noite e veio a óbito comigo. A única coisa que eu fiz nesse segundo atendimento foi entrar com soroterapia, terapia de suporte, até fiz o antídoto mas nenhum dos sintomas clássicos (salivação, fezes mucóides, fasciculação muscular, edema pulmonar) o animal apresentava mais , somente incoordenação, vocalização, opistótono e nistagmo, todas as alterações neurológicas que você não quer ver em uma intoxicação.

No final das contas você pode enviar o animal para casa com: vitamina B12, carvão ativado e ração para hepatopatas por alguns dias.

Espero ter conseguido passar minha experiência para vocês.

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